Rio de Janeiro / RJ - sexta-feira, 19 de abril de 2024

ARTIGOS SOBRE HPV

HPV E GRAVIDEZ: QUAL O RISCO DE TRANSMISSÃO PARA O FETO?

QUAL A CONDUTA COM A GESTANTE?

 

Autor: Setor de Patologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.


A associação de gravidez e doenças do trato genital inferior reveste-se de características especiais, em consequência às modificações dos equilíbrios hormonal e imunológico vigentes nesse período. A partir desse fato, observa-se alterações no aspecto e na composição dos conteúdos vaginais, além de aumento do pH.

No exame ginecológico e na colposcopia observa-se muco abundante e denso (efeito progestagênico),  congestão e cianose das mucosas, edema de paredes vaginais, sangramento fácil por vascularização superficial evidente e intensa iodo-captação, pois o citoplasma celular encontra-se rico em glicogênio. Ocorrem fenômenos dinâmicos, como o “gaping” (abertura do orifício externo uterino), eversão (exposição do tecido glandular endocervical) e “coming back” (retorno do tecido glandular para o canal).

A colposcopia na gravidez tem o seu valor para biópsias de áreas suspeitas, com a finalidade de excluir carcinoma invasor.

Já o binômio HPV e gestação constitui situação de conflitos e angústias por parte da paciente e do próprio obstetra que a acompanha. Várias são as dúvidas a respeito da transmissibilidade, das complicações para o feto e quanto a conduta.  

O desenvolvimento da Virologia propiciou-nos conhecer que os agentes etiológicos das  verrugas são os Papilomavírus Humanos (HPV). O contato direto com as lesões verrucosas seria a forma de transmissão, da mesma forma que os indivíduos portadores de verrugas anogenitais ter-se-iam contaminado por contato sexual. Várias doenças têm sido relacionadas com a presença da infecção por HPV, destacando-se a neoplasia cervical uterina, nas suas formas precurssora e invasora.

 Deve-se dar atenção para a intensa proliferação viral ao longo da gestação e a possibilidade de rápida progressão de lesão precursora para carcinoma invasivo. 

Outro fato observado pela maioria dos autores diz respeito à idade das mães que mais freqüentemente tiveram filhos contaminados. A predominância de jovens, entre 16 e 25 anos, parece ser um dos fatores determinantes da transmissão viral.

Aumenta ainda a complexidade de interpretação quando se procura comparar o momento de coleta das amostras: se durante a gestação, em qual trimestre; se durante o trabalho de parto, com bolsa amniótica integra ou não, além do tempo decorrido entre a rotura das membranas e o trabalho de parto. E no tocante às datas das coletas das crianças: se ainda na sala de parto, se 3 a 6 dias de pós-parto e ainda 6 semanas ou 3, 6, 12, e 24 meses após o nascimento.

Interfere ainda, para consenso dos dados, a avaliação de gestantes pertencentes a populações com diferentes prevalências da infecção por HPV. Esse fato faz com que os índices de detecção de HPV em recém-nascidos com 1 ou 3 dias de vida variem de 4 a 72% quando as mães são HPV positivas e de 0,6 a 20% em filhos de gestantes sem HPV detectável durante a gestação. Como se não bastasse, foram avaliadas pacientes em diferentes etapas clínicas da infecção viral: formas clínica, sub-clínica e latente.

Com tantas variáveis interagindo, não é fora de propósito considerar como ainda serem inconclusivos os diferentes resultados, sugerindo que novos estudos sejam realizados.

Da revisão de cerca de 50 estudos publicados nos últimos 15 anos parece-nos lícito concluir que:

1-o risco de transmissão perinatal da infecção é baixo;

2-a forma clínica (condilomatosa) da infecção materna constitui-se na de maior risco do filho apresentar, durante a infância, a papilomatose respiratória recorrente;

3-a comprovação de HPV-DNA em secreções nasofaríngeas de recém-nascidos, pode, apenas, representar contaminação e não infecção, uma vez que os dados reduzem, negativando-se após 6 a 8 semanas de pós-parto;

4- mães portadoras de HPV de alto risco oncogênico, com alta carga viral e muito jovens, são as que mais freqüentemente têm filhos com avaliações positivas para HPV de alto risco;

5- as vias potenciais de transmissão de HPV de alto risco para as crianças de qualquer idade são:

a- Mãe-filho durante o trabalho de parto; infecção ascendente, via membranas amnióticas rotas; 

b- Abuso sexual;

c- Transmissão Improvável: Aleitamento.

d- Sangue .

6- a ocorrência de malformações não está adequadamente confirmada.

CONDUTA: O QUE FAZER COM A GESTANTE?

No binômio materno-fetal portador da infecção por HPV, deve-se considerar que, na mãe, a presença do HPV varia com a idade gestacional, além da possibilidade de coexistência de mais de um tipo de HPV.

Por outro lado, se a mãe é portadora de HPV de alto risco e com alta carga viral, em especial no final do terceiro trimestre, há maior chance de contaminar o nascituro no momento do parto. Da mesma forma, esse fato pode ocorrer se a mãe for portadora de condilomatose anogenital no final da gestação.

Assim sendo, é possível adotar-se condutas diferentes para cada uma das eventualidades, tanto do ponto de vista diagnóstico quanto terapêutico .
Durante o pré-natal, a realização do exame citopatológico, da colposcopia e exame histopatológico serão os procedimentos de escolha, não só para a identificação de eventual infecção por HPV, mas especialmente para a exclusão de malignidade em sua versão precurssora e ou invasiva.

Na constatação de lesão HPV sub-clínica poder-se-á sugerir, na medida do possível, a tipagem do HPV e a determinação de sua carga viral, dados importantes porém não imprescindíveis, no final do terceiro trimestre, visando a avaliação posterior do concepto.

Na presença de lesões sub-clínicas e clínicas, de qualquer intensidade, ao longo da gestação, as opções terapêuticas recaem sobre métodos destrutivos químicos e ou físicos. Está proscrito o uso de podofilina, podofilotoxina e fluorouracil pelo alto risco de toxicidade. Dá-se preferência à aplicação tópica de ácido tricloroacético a 50 ou 70%, em aplicações semanais, cuidando-se para que a agressão química não ultrapasse os limites da necessidade.

Dentre os métodos físicos, de acordo com a disponibilidade e o adestramento profissional, pode-se indicar a eletrocoagulação, a criocoagulação, a cirurgia de alta freqüência CAF), a vaporização e ou a exérese a laser. Esses procedimentos aplicam-se melhor às lesões mais volumosas que possam vir a se constituir em obstáculos no canal de parto.

Nos casos em que se verifique a presença de neoplasias intra-epiteliais sugere-se controle citopatológico, colposcópico e a biópsia, quando necessária, a cada dois meses, com o intuito de exclusão de progressão e invasão. Na eventualidade de se notar presença de lesão micro ou macro invasora, a conduta será selecionada, na dependência da idade gestacional, da conscientização e desejo dos pais: se expectante, conização diagnóstica ou exérese cirúrgica ampla, não sem os devidos esclarecimentos prévios.

Quanto à via de parto, há consenso na literatura mundial de, considerando-se os baixos índices de contaminação do recém-nascido, liberar-se a via transvaginal. O parto cirúrgico, por via alta, seria a opção escolhida nos casos de impedimento do canal de parto por lesões condilomatosas extensas e por indicativos puramente obstétricos.

Já no puerpério a conduta, mesmo que com lesões extensas, deve ser expectante nos primeiros três meses, atentando-se apenas para limpeza local, dieta equilibrada e eventual combate às infecções secundárias superpostas. Aguarda-se a recuperação espontânea da imunocompetência, que poderá promover a redução das lesões.

Quanto ao recém-nascido, o acompanhamento seguirá os trâmites comuns da puericultura, sem que nenhum procedimento além da observação clínica seja adotado, desde que não se comprove haver qualquer alteração funcional, física ou clínica.